Davi Roballo*
Falar sobre a representação das mulheres na mídia, seria muito fácil não fosse tão complexa as causas e os tentáculos de uma sociedade míope que as impedem de apossarem-se dignamente de seu lugar no contexto da vida social. Não o lugar de eternas mães de Abeis e Cains desenfreados e escravas sexuais de Adães desmiolados, mas um lugar onde sejam valorizadas verdadeiramente como criaturas humanas, criativas, inteligentes e não como um objeto talhado a ouro.
Conta o livro, em sua gênese, que a mulher surgiu da costela de um homem, muita gente acredita, embora não reflita persuadido a não comer a deliciosa maçã da sapiência, impedido de explorar o real contexto e intenções dissimuladas nessa mitologia infantilizada. Se Eva é oriunda da costela de Adão, certamente a leoa é da costela do leão e a vaca da costela do boi...
Como pode o ser onipotente ter sido o artífice de tamanho paradoxo, logo ele que é apontado como indubitavelmente bom, justo e imparcial, ter concebido a hegemonia ao homem perante a mulher e colocá-la no mundo como parte dele, servindo-o como sua fiel subserviente? Quiçá, ao terminar a obra “Adão”, Deus, em seu sopro divino tenha sido o primeiro a se contaminar com o machismo, presunção e prepotência hegemônica da criatura hominal. E desde então, o pai de todas as coisas, cedendo a pressões dessas pragas que eivaram seu consciente, resolveu criar um ser para servir de escravo, sem direito a voz, condenando-o a serviços domésticos, maus tratos, baixos salários, prescrições de vestuários, baixo índice de inteligência, escravidão sexual, como matriz procriadora do espécime hominídeo.
Vaidade, nem pensar, só Adão teria o direito de cortar o cabelo, somente Adão teria o direito de cuidar de sua beleza, de usar calças compridas e de gozar dos prazeres da vida. A Eva, como ser insignificante e desprovido de inteligência, bastaria ficar em casa cuidando do tanque, da cozinha, catando a prole, isolada do mundo e das letras...
A costela sendo parte da estrutura física do corpo humano, não pode representá-lo por completo, isso retrata para bom entendedor e questionador embasado pela razão, que o mito Eva, é a representação da desvalorização feminina, colocando-a abaixo do homem, como parte dependente dele e não como sua igual. Essa mitologia fruto de uma civilização machista, laica e ultrapassada que subjugava e subjuga o gênero feminino como inferior, por incrível que pareça ainda não passou por uma reformulação que a coloque a altura da razão e bondade do ser considerado supremo.
Hoje, em pleno século XXI, o conto da carochinha ainda reflete seus preceitos nas consciências atordoadas, persuadidas e confusas a levarem esse episódio ao pé da letra, por estarem condicionadas a obediência cega aos desavisados apaixonados, que usam a coibição e a sansão como se fossem divinas, sem levar em conta, que o temor que isto ocasiona, leva os seres a esperarem tudo de cima, impedindo-os de forjarem suas conquistas, e a acreditarem que o “pai” castiga, quando na verdade, por uma questão de lógica, Deus, não pune nem castiga o homem, mas, o homem é que autopune-se através das conseqüências no mau uso do “livre arbítrio”.
Na contemporaneidade, poucas mulheres estão à frente diretivas de grandes empresas, nenhuma está autorizada a rezar missa, quase nenhuma recebe o mesmo salário pago aos homens que realizam a mesma função. É o reflexo da síndrome “costela de Adão”, que insiste em escravizar nossas consciências com seus preceitos estereotipados e irreais que revestem o machismo impiedoso que impera em nossa humanidade. E essa machidão é praga tão contumaz que consegue contaminar as próprias mulheres, que sendo vítimas também são algozes por conduzirem a crendice que essa praga gera.
A sociedade hipócrita, tomada pela síndrome da costela, quando percebe em seu seio um fato de adultério por parte do gênero macho, ocasiona pouca repercussão pelo fato de estar arraigado em grande parte das consciências, que homem é homem, e sendo assim é vulnerável ao instinto, e a mulher que pague a humilhação e o escárnio que isso ocasiona. Porém, quando a prática da traição parte do gênero fêmea, essa ação automaticamente é tida como absurda e inconcebível, e ela como infratora, recebe da sociedade toda a manifestação de desprezo e descaso que decorre do fato, e o pior, grande parte desses algozes, fazem parte de seu mesmo universo de gênero.
Não há de se negar que no século XX, a humanidade tenha progredido mil anos em cem, e as mulheres como grandes beneficiárias dessa evolução, saíram de suas cozinhas enfumaçadas e buscaram alcançar seus devidos lugares na sociedade. Motivadas pelo conhecimento e desgarradas de certas crendices, olharam para si e obtiveram a imagem de seu verdadeiro valor, que havia sido ofuscado pela predominância machista através dos séculos, reivindicaram seu direito ao voto, lutaram e ainda lutam pela não violência doméstica, buscaram e ainda buscam seu lugar na política e nas decisões do país...
Sem dúvida, ainda há muitas conquistas a caminho, a fim de que o ser humano venha dar-se de conta que não existe diferença entre homem e a mulher, a não ser, as exteriores, representadas pela limitada matéria. Há muitos caminhos a percorrer para chegar-se a conclusão que: inteligência e competência não escolhem gênero de sexo, se cultiva, se obtém através de experiências. E quando se chegar a esse patamar de igualdade, com certeza cairá às barreiras da desigualdade, do preconceito de inferioridade para ceder espaço a uma nova mentalidade racional, coerente e divinamente justa, como realmente é, e que o ser humano teima em não dar atenção por preferir acreditar no que lhe seja mais proveitoso e que lhe coloque acima do que imagina ser.
*Jornalista, Especialista em JornalismoPolitico, Especialista em Comunicação e Marketing